Bandeiras em tempos de olimpíadas - qual é a sua?

Rio2016. Os jornais do mundo parecem falar mais de superação e esperança que em outras épocas. É a 31º edição moderna da tradição que começou na Grécia Antiga, quando a cada quatro anos Cidades-Estado se reuniam para competir em jogos atléticos, em homenagem ao Deus grego Zeus e sob o sentimento de pertencer à mesma cultura ou religião. Os jogos, que haviam se extinguido, renasceram no século XIX, em um mundo maior e mais diverso, em que já não são Cidades-Estado que se reúnem, mas Estados-Nação. 

Desiguais entre si e dentro de si, os Estados se reúnem como na Grécia Antiga - a cada quatro anos, com os seus melhores atletas e um proposito. Acontece que o proposito facilmente perde cena para as medalhas e foi por isso que na abertura dos 31º jogos olímpicos no Rio a presença de mensagens teve tanto impacto. Se na Grécia Antiga a homenagem era a Zeus, em 2016 foi ao planeta, ao clima e à paz na Terra. E se na Antiguidade eram uma mesma cultura ou religião que convocavam os jogos, em 2016 foi o sentimento de pertencer à mesma casa. É certo que o nacionalismo está na base da competição e que é com bandeiras de países que os atletas participam dos jogos, mas na abertura do 31º encontro olímpico do mundo, falamos do que está para além das fronteiras.

Eu assisti emocionada. E também inquieta com a minha emoção. As mensagens de união e sustentabilidade são tão pertinentes quanto contrastantes com a realidade dos atletas que desfilaram no Maracanã. Longe de sermos um só mundo, os Estados nacionais são profundamente diferentes em termos de oportunidades e condições básicas de vida. Não é à toa que as delegações de países em guerra e do Sul global chamaram atenção pela pequenez. O Afeganistão, por exemplo, tem uma população de 30 milhões de pessoas e apenas 3 atletas representados nas olimpíadas do Rio, enquanto o Canadá tem uma população da mesma ordem de grandeza (35 milhões de pessoas) e 315 atletas, mais de cem vezes o número de afegãos nos jogos. E não precisa ser um país em guerra para a diferença ficar evidente – a Bolívia tem uma população estimada em 10 milhões de pessoas, semelhante à população da Suécia, mas apenas 12 atletas olímpicos, enquanto são 164 os suecos.

O lugar onde a pessoa nasce define o destino olímpico. Os que chegam em delegações pequenas são campeões já de entrada, porque superam batalhas muito mais profundas e estruturais para chegar até os jogos. E até agora havia os que não podiam nem sequer superar barreiras para chegar, porque não tinham país que os representasse. Eram os refugiados, que a partir desta 31º edição das olimpíadas ganharam um espaço. Atual e profundamente necessária, a delegação dos refugiados estreou escancarando os sonhos que guerras e desastres socioambientais destroçam. E estreou também trazendo um fundinho de esperança de que, quem sabe, as desigualdades e injustiças possam ser corrigidas e o mundo possa ser um só.

Foram dez homens e mulheres que entraram no Maracanã carregando a bandeira dos refugiados, mas foram muitos, milhares de outros e outras que poderiam ter estado ali, mas não estiveram. É belo o lugar desses dez, mas é também preocupante, porque são só dez, porque chegaram só na 31º edição dos jogos, e porque dividem o palco com delegações minúsculas dos países de origem desses mesmos refugiados. 


Celebremos a vitória desses dez e de todas as outras pequenas delegações - Somália, Sudão do Sul, Palestina, Afeganistão, Libéria, Nicarágua. Celebremos a mensagem de uma só casa, a importancia das florestas e de um acordo global pelo clima. Celebremos o propósito do encontro, mas façamos muito, muito mais do que isso. Direito de refugiados, respeito e valorização dos povos indígenas, conservação e restauração das florestas, igualdade de gênero e raça, oportunidades de saúde, educação e esportes para todos. São inúmeras as bandeiras que as olimpíadas, e em especial a cerimônia de abertura, evocou. Elas podem ficar ali, restritas às horas que comoveram o mundo, mas podem ir além. Podem, quem sabe, virar bandeiras como as bandeiras nacionais, assunto de identidade e cultura. Podem, e aqui eu quero sonhar bem alto, ser bandeiras para a vida de cada um que aplaudiu as mensagens da cerimônia de abertura. Podem ser bandeiras do mundo. Podem. Eu acredito que podem.

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