O avião está em
silêncio. É dia, mas as janelas fechadas fazem parecer noite. Venho de
Portugal, via Espanha, com destino à casa, na Argentina. Sou brasileira. Meus
sobrinhos, americanos, e meu chefe, boliviano. Coleciono moedas de um centavo
dos países pelos que passei. Já tenho mais de uma dezena de dinheiros.
Tenho os calejos dessa
gente da globalização. Penso em férias para viajar de tela ou de páginas. Já me
encanto pouco com lugares novos – cidades são sempre cidades, e fazendas à
beira da estrada, fazendas. Tomo café com amigos internacionais por whatsapp e o
skype é minha sala de reuniões em outros continentes. Sou cidadã deste mundo.
Me diz respeito as mudanças climáticas, as taxas de câmbio e os oceanos.
Quando perguntam de
onde sou, respondo a praxe - nasci no Brasil, nas montanhas do estado do Rio de
Janeiro. Mas se me perguntassem com intenção, diria que sou da Terésópolis da
década de 1980, da Viena de 1992, da California das férias de verão, das
poltronas de aeroportos das madrugadas, da Buenos Aires de hoje.
Sou neta de refugiados.
As paredes da minha casa de infância, decoradas de lugares de outras épocas, me
contaram que fronteiras geopolíticas são ficções restritivas e libertadoras,
que criam história e particularidades, mas não identidade. Me fizeram mais
mundo e menos país. Me fizeram a vontade em meio à globalização.
O avião continua em
silêncio. A gente dorme. Quem sabe sonha. Toda gente desta época, que vai e vem,
depois vai de novo, e quem sabe de novo e de novo. Nada disso me parece
estranho. Já me contavam minhas paredes que o mundo era pequeno.
Acendo a luz sobre a
minha cadeira. Tenho um jornal de hoje para ler. A capa contabiliza o
milionésimo refugiado que entrou na Europa este ano por mar. Leio reticente. Leio
a dificuldade de gente acessar o mundo. Leio que a minha época de distâncias
curtas, fronteiras transponíveis e identidades além mar é um privilégio de
poucos. Leio que as fronteiras fictícias são fortes e duras para a maioria.
Leio que, como cidadã do mundo, isso me diz respeito. Paro de ler. Abro a
janela e escrevo.
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