Pela voz de cada um

Um ponto de partida para uma história é muito dificil de encontrar. Ela sempre começa em muitos lugares e muitos momentos diferentes. De repente nunca começa, apenas continua.
Mas nesta narrativa, talvez o melhor início seja há mais ou menos um ano, quando experimentei as contradições e conflitos por detrás do discurso de desenvolvimento da cooperação internacional. Isso, e a minha cisma em não desacreditar no mundo e, principalmente, nas pessoas, me trouxeram à história de hoje.
Ao mesmo tempo, por outros caminhos e distintas razões, as outras 48 personagens também decidiram estudar desenvolvimento em Haia. Do Peru, Etiópia, Indonésia, Estados Unidos, Quênia, Índia, Japão, Filipinas, Uganda, Paquistão, Jordânia, do mundo todo, viemos em busca de alternativas. Atrás de esperança.
Com a notícia de que este ano, para multiplicar vozes, o Fórum Social Mundial (FSM) seria espalhado pelo mundo, decidimos sair dos livros e ir à prática juntos. Somos uma comunidade verdadeiramente global. Buscamos o “outro mundo”. Aí estava a oportunidade de juntarmos perspectivas e dar voz ao que acreditamos ser o mais importante.
Na agenda dos preparativos, banners gigantes, feitos em lençol, e um seminário em parceria com os movimentos sociais da Holanda. As expectativas do que viria eram altas – íamos experimentar a sociedade civil na capital européia.
Enfim, o 26 de janeiro. O dia começa cedo. Os maquinistas parecem incorporar o dia de ação global para fazer também suas demandas. Ao total, foram 5 trens para chegar a Bruxelas.

As primeiras horas na cidade foram de certa decepção. Nada estava acontecendo. As atividades estavam previstas para a tarde e nós caminhávamos aleatoriamente pelas ruas. O dominicano, fanático por mídia, ficava para trás enquanto registrava os ares belgas na câmara. Em uma das paradas para esperar que ele terminasse seu registro, o objeto da câmara chamou a atenção. Cinco pessoas, em nada parecidas a operários, tentavam encostar uma escada de uns 10 mestros no rebuscado palácio da bolsa. Nervosismo, álcool no sangue, ou por qualquer outra razão, não acertavam como ajeitar a escada. Gargalhadas. Depois a pregunta – que diabos eles querem com esta escada? Ficamos para ver. O rapaz encapusadao começa a subir, a escada bambea, e nós passamos de observadores passivos à platéia envolvida. Ele subiu até a varanda. E agora? “Aiii, vai tentar puxar esta escada sozinho, lá de cima! Tá viajando!” Mas dizem que há que demandar o impossível. E ele consegui. Com a escada em cima e a polícia em baixo, se preparou para o passo seguinte – o topo do palácio. A mídia filmava, os torcedores criavam hipótese de como ele planejava descer – pára-quedas? Helicóptero? Carona com o Super-Homem? O fato é que ele subiu, estendeu sua mensagem no topo da instituição que criticava, e desceu algemado pela polícia.
Alimentados pela gostosa sensação de ver a determinação do alpinista encapuzado, começamos o percurso pelos pontos da cidade que, segundo a organização do evento, estariam dedicados a temas específicos de desenvolvimento. No primeiro, portas fechadas e a perspectiva de atraso de duas horas para abrir. A mesma história nos três temas seguintes. Finalmente encontramos um estande funcionando – serviços públicos, um dos principais temas da agenda política européia atual. Mas para quem esperava debates, troca de perspectivas, espaços participativos, calamos a boca com a sopa e o champagne que nos foram servidos em silêncio.
A frustração nos levou ao banco da praça.O grupo se dispersava. Eu já tinha a mochila nas costas para buscar um café e passar umas horas comigo mesma, quando a peruana disse que ficaria. Buscaria alguma razão para estar lá. Sem necessidade de maiores explicações, fiquei.
Organizamos dinâmicas de grupo no meio da praça, uma tentativa de performances reflexivas. Por alguns minutos, sucesso. Mas o barulho atrapalhou nosso vizinho, o estande de champagne e sopa, e nos foi solicitado calar a boca.
Migramos, então, para a praça central. Parecia a hora certa para expor os banners. Erro nosso. Demostrações não são legais, como nos colocou a polícia. Carregamos as vozes impressas, então, à área destinada ao FSM. Ali, acreditávamos, nossa tentaiva de mostrar o que pensam estudantes do mundo todo seria compreendida. Carregamos os banners abertos, com a orgulhosa ilusão de quem leva a mensagem global e múltipla que prega o FSM.
A uns pasos de entrar na área reservada ao evento, no entanto, a linha vermelha. Os ruídos que chegam pelos que estão na frente é de que não temos permissão para entrar. Parece que não há lugar para nós. Entendemos, então, que ali também demonstrações não são permitidas. Resulta que o FSM em Bruxelas são meia dúzia de barraquinhas expondo materiais de ONGs e uma banda de mocinhas de meia-idade e mini-saia vermelha, acompanhadas por um mocinho vestido nos mesmos trajes.
Muitos argumentos sobre a falta de espaço para outras vozes vão e vêm. Enfim, conquistamos o direito a um estande e, pasmem, exposição de UM banner. Atenção, não extrapolem o limite máximo de um banner.
Inquieto pelo ter que calar-se, o indonésio se cobre no banner. A portuguesa segue. Se não podemos expor, vestimos. A polícial volta e o canadense traduz – ela está perdendo a paciência. Nada mais que o limite máximo de banners.
Ruídos, revoltas, dispersões. Energias fluem. E a organização do evento nos oferece uma alternativa - em um pedaço de papel, podemos escrever o que é mais importante para nós. Por exemplo, o nome de uma pessoa querida. A idéia é participarmos de uma performance interior, sem mídia, onde seguramos o papel em silêncio por três horas. Consideramos a proposta. Recusamos a proposta. Decidimos calar-nos juntos e nitidamente em nosso estande. Com um pedaço de papel na boca, nos aglomeramos em uma ação silenciosa. Enfim, nossa voz ecoa no Fórum Social da capital européia.
Uns passavam, olhavam, faziam que não viam. Ou de repente não viam. Outros riam, sorriam, tentavam contato com o silêncio. Alguns paravam e admiravam como se foramos animais em extinção em um zoológicos – pobres estudantes. Mas outros pareciam entender nossa pretensão, não de mudar o mundo, mas de não mudarmos diante do mundo.

3 comentários:

Vivian Ellinger disse...

Filha, somos formiguinhas neste universo. Somos muito pequenas, e o que podemos fazer, as vezes parece muito pouco. Mas o importante é não nos acomodar, e se não perdermos o foco, sempre surge um espaço onde podemos agir. Parabéns a todas estas formiguinhas!

Vivian Ellinger disse...

E principalmente para minha formiguinha querida!

Vivian Ellinger disse...

Paulinha,
Somente hoje pude ler seu extraordinário texto sobre o nem sempre fácil empenho de gritar para o mundo o que necessitamos gritar.
E o que há de extraordinário? Exatamente o fato de que o silêncio foi a mais impressiva manifestação do grupo.
Decepções no campo de atitudes públicas são a praxe, o que só faz instilar no sangue de jovens estudantes e com ideários fortes como você um espírito cada vez mais aguerrido para se fazer ouvir, ainda que seja através do silêncio.
Parabéns, minha querida.
Um grande beijo,
Tia Angela