Tradução de gente.


Nós sentávamos de um lado da casa grande e eles do outro. Havíamos viajado dois dias para chegar ali. Foram dois aviões, barco, trator, caminhada e canoa. Não havia dúvida de que nós queríamos estar ali e escutar o que aquele povo – o povo kashuaiana – tinha para ensinar.

Os mais velhos falaram primeiro e o líder da associação traduziu. Os mais novos também falaram. E o líder traduziu também. Eles falaram da terra. Da fuga pela sobrevivência através do apoio missionário. E falaram da volta, da reconquista e do reencontro com a terra que sempre foi deles. E contaram de hoje, das pressões, dos medos, das dificuldades e do orgulho. Depois falamos nós e fomos traduzidos também. Falamos da nossa presença, das nossas perguntas, das expectativas e do nosso desconhecimento.

Eu falei, e escutei. Ouvi os dois lados da casa grande. Tentei escutar completamente, mas tem sempre coisas que se ouve mais do que outras. Normalmente são aquelas que a gente conhece, que nos são familiares, que sabemos o que são. E foi assim e por isso que, entre todas as histórias e argumentos, o que mais escutei foram as palavras em português que o líder não traduzia para a língua kashuaiana. Quando falava para seu povo o que havíamos dito os brancos, empregava alguns termos em português em meio aos fonemas kashuiana. Para mim, essas palavras gritavam. Fui anotando cada uma delas. Curiosa, intrigada, ansiosa pela próxima. Eram várias - 3, 4, 5, 7... mais de 13 palavras que os kashuaia adotavam do português!

Minério.
Refrigerante. Internet.           Endereço.        Audiovisual.
Saúde.
Português. Matemática.
Reciclagem.
Governo. Empresa. Fundação.
Município. Rondônia.
Programa.
Hidrelétrica.
Recurso. Represa.
Extrativista.
Homologação.            Conselho.        Floresta Estadual.
Desmatamento.
Público.                                                                                                           História.


Olhei para a página tomada de letras e lá estava – eu. A síntese do meu povo. As necessidades criadas e as respostas inventadas para os problemas fabricados.

Fechei o caderno. Senti a terra entre os dedos do pé. Suspirei. Entendi. De longe, nunca havia estado tão perto.

2 comentários:

lea disse...

lindo, sensivel, profundo. Gostei muito

Anônimo disse...

Lindo, Paula! Bs, Ju.