Trocas com tempero brasileiro

Amanhã é dia de começar o processo para concretizar o plano de mestrado no exterior. Pois é, para ajudar o Brasil tenho que me mandar, mas essa é só um dos intercâmbios irônicos desta história.

Amanhã é o primeiro passo – homologar o diploma no nosso digníssimo Ministério das Relações Exteriores. Mas hoje os planos ainda são curtir a simplicidade do forró, e como a farra brasileira é sempre grande e não tem hora para acabar, achei por bem deixar os documentos separados já hoje, antes de sair de casa. Cacei a pasta de papelada por uns dez minutos, para acabar achando o diploma que já estaria me comendo fosse uma cobra.

No caminho para a noitada que prometia ser regada a tempero brasileiro, parei para colocar gasolina. Me atendeu um frentista de meia idade, cujos olhos chamavam a atenção pelo inchaço. Enquanto ele abastecia e na ansiedade de ir logo forrozear, já fui entrando na fila para passar o cartão. E, claro, não pude deixar de me meter na conversa do senhor da frente. Por que claro? Não, não que eu seja tão fuxiqueira assim, mas quando o assunto é assalto, as antenas se conectam naturalmente. Talvez por impressionar, por dar medo, ou por termos um gosto apurado para tragédias mesmo. Enfim, mas o fato é que o senhor comentava com o gerente do posto sobre um assalto que, ao que parecia, havia acontecido há uns dias, lá mesmo, naquele posto. Mas não foi pouca a surpresa quando o senhor me respondeu que não havia nem dez minutos os assaltantes haviam deixado o lugar. Apontando para o meu frentista, esclareceu os olhos inchados – “Colocaram a arma na cabeça dele. Coitado, tava sangrando e quase chorando”. A calmaria do posto tornava difícil acreditar que enquanto eu procurava o meu diploma para, pretensamente, ajudar o meu país, dois homens haviam batido em uma cliente e ameaçado aquele homem que, sem alternativas, continuava calado a trabalhar. De certo buscava se consolar. Serão alguns meses trabalhando para pagar o que entregou em troca da vida. Mas, olhemos por outro lado, ele ainda tem a vida! E para quem não entendeu o intercâmbio do frentista, aí vai a explicação. Para evitar que os funcionários planejem assaltos, os donos dos postos os responsabilizam por qualquer roubo que venha a acontecer. Entrar na justiça para não ter que pagar o que ele não roubou? O senhor da fila sugeriu isso, mas o frentista me confessou que essa seria mais uma troca. Se o fizesse, seria demitido.

E agora me pergunto, se fosse demitido, que oportunidades teria o meu frentista? Que tipo de esperança na justiça da vida? Será que, futuramente, não teria que fazer outra troca? Perder a dignidade e seguir o exemplo dos assaltantes em troca da sobrevivência?
Inconformada com a desigualdade que assola nosso país, sem saber quem é o culpado dessa história, a promessa de sentir o tempero brasileiro do forró perdeu a graça.
Ah, e para quem sentiu falta da polícia nessa história, não custa explicar que não foi falha da autora.

3 comentários:

Vivian Ellinger disse...

Não canso de ler e reler as cronicas que voce escreve.Quanta sensibilidade, quanto talento!
NÃO PARA! CONTINUA!
Te amo demais.

Daniela disse...

Oi Paula!!!!!
Que bom que eu te achei aqui!!! Finalmente uma das minhas raras visitas ao Orkut valeu a pena! Muitas saudades de você! Onde você quer fazer mestrado?? Seria tão bom se os nossos caminhos se cruzassem novamente... Eu tenho um blog também, passa por lá! http://danibela.blogspot.com. Beijos!!!

Anônimo disse...

Priminha...
Nao sabia desse site...Acabei de visitar e ja virei fa !!! ADOREI 1!!I am so proud of you !!!
Vcs me escrveu que eu so um modelo pra vc...Advinha ?!?!?!Vc eh um modelo pra mim...
Vem pra ca, vem...Vamos mudar o mundo juntas, ou pelo menos tentar !!!

Love you